quarta-feira, 29 de outubro de 2014

É preciso amar o inútil

"Lembre-se de alguma coisa inútil e provavelmente será isso o que estarei fazendo. Ouça, Virgínia, é preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los, plantar roseiras sem pensar em colher rosas, escrever sem pensar em publicar, fazer coisas assim, sem esperar nada em troca. A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas. A música - acrescentou, detendo-se ao ouvir os sons de um piano num exercício ingênuo. - Este céu que nem promete chuva - prosseguiu. - Aquela estrelinha que está nascendo ali... Está vendo aquela estrelinha? Há milênios não tem feito nada, não guiou os Reis Magos, nem os pastores, nem os marinheiros perdidos. Não fez nada. Apenas brilha. Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil. Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a Beleza. No inútil também está Deus."

Ciranda de Pedra, Lygia Fagundes Telles

terça-feira, 10 de junho de 2014

Estação Consolação

                     
           − Pode.
           E foi assim que aconteceu. Com apenas uma palavra, eu estava livre, pela primeira vez. Andar pelas ruas? De ônibus? De metrô? Sozinha? Sem ninguém? Tem certeza? Por mais incrível que pareça, a resposta foi sim.
           Um show incrível aconteceria naquela sexta, numa casa de música e cultura perto da estação Consolação de metrô. Alguns amigos mais velhos de outro colégio iam também, mas existia um pequeno problema: nunca tinha andado sozinha de transporte público ou na rua, muito menos de noite. Depois de pensar em milhões de outras alternativas, percebi que seria melhor acabar logo com esse sofrimento. 
           Perguntei para minha mãe e ela deixou, disse que já estava na hora de eu aprender a me virar, mas é lógico que não foi tão simples. Quis saber de tudo, fez questão de que eu lhe ligasse a cada passo que desse e voltasse no horário combinado. E logo comecei a pensar em detalhes que eu nem mesmo sabia que eram importantes: que ônibus pegar? Quando ele passa? Como saber o ponto certo para descer? Que sentido tomar no metrô? Como saber quando levantar? Ao sair do vagão, que direção devo tomar? E depois da catraca? 
           Quando o dia chegou, eu já estava preparada com milhares de mapas e celular carregado no máximo, caso ocorresse algo não esperado. Saí de casa mais ou menos às 15h, algumas horas mais cedo do início do show, pois minha mãe não queria que eu andasse sozinha muito tarde, e peguei o ônibus com tranquilidade. Consegui sentar, não estava muito cheio, e foi bem fácil saber quando descer. Mas no metrô foi outra história: as portas fecharam muito rápido, fui empurrada, não consegui segurar direito e logo estava eu caída esmagada sufocada suada entalada enlatada em pé sentada e era um tal de mão na bolsa mão na bunda mão na mão que eu quase não aguentei.
           Mas finalmente cheguei à minha estação, e ao sair de lá e me ver sozinha em meio à Avenida Paulista nunca me senti tão livre. O show foi bom, mas melhor ainda foi saber que eu tinha ido lá por mim mesma, sem precisar depender de ninguém. 
           Desse dia em diante, fui adquirindo minha liberdade aos poucos, indo cada vez para mais longe. Mais longe de meus pais, mais longe de casa, mais longe da minha infância. E pretendo continuar assim, até alcançar meu destino.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Uma Garrafa no Mar de Gaza

Já é quase meia-noite. Há mais ou menos meia hora, terminei de ler Uma Garrafa no Mar de Gaza, de Valérie Zenatti. Estou olhando para a tela do computador, sem saber o que dizer. Durante cinco dias, vivi intensamente a relação de Tal e Naim, me apaixonando pelos dois, junto com os dois. São personagens incrivelmente fascinantes e sinceros, que vivem uma situação verdadeira e atual, que vale a pena ser contada e recontada. Apesar de ter sido escrito há dez anos, sinto como se os protagonistas, seus amigos e suas famílias pudessem ser encontrados em cada esquina. Pessoas reais, problemas reais e vidas reais. Um livro verdadeiro, narrado maravilhosamente com a escrita leve porém chocante, com um toque de humor, da francesa Valérie Zenatti. Há meses olho para essa capa azul, para esse título curioso nas livrarias e desejo imensamente conhecer essas pessoas e descobrir sua história. E agora que finalmente descobri, digo que estou encantada e tocada com um livro que, mesmo abordando um tema diferente dos quais costumo me interessar, me cativou como nenhum outro fez em muito tempo. Tal, com seus cabelos loiros e sonhos (im?) possíveis. Naim, com seus olhos verdes e frases carregadas de ironia. Os dois me marcaram. Agora, após virar cada uma de suas páginas carrego comigo mais uma história. De esperança. De confiança. E, quem sabe, de amor. Então, fico a pensar: será que 13 de setembro aconteceu?

<3